Aborto espontâneo: quanto esperar para engravidar de novo?
Nova pesquisa reforça que não é preciso esperar muito para engravidar após aborto espontâneo (Foto: FreeImages)
As estatísticas apontam que 15% das gestações são interrompidas espontaneamente – boa parte delas ainda nas 12 primeiras semanas. Mas quanto tempo após o incidente, pode-se tentar realizar o sonho da maternidade novamente? “Fisicamente, em caso de abortamento precoce, a mulher está pronta para engravidar logo após a menstruação seguinte”, afirma o ginecologista e obstetra Julio Elito Júnior, professor da Unifesp. É o que confirma um novo estudo feito nos EUA que considerou 998 perdas gestacionais de até 20 semanas, publicado recentemente no periódico Obstetrícia & Ginecologia. Das mulheres que começaram as tentativas menos de três após o aborto, 53% tiveram uma gravidez bem sucedida, assim como 36% daquelas que aguardaram mais tempo – o que levou os cientistas a concluir que não há maior risco de complicações gestacionais quando o casal decide engravidar na sequência, isto é, menos de três meses depois.
Foi o que aconteceu com a administradora de empresas Renata Nunes, 34 anos, de São Paulo. “Descobri que estava grávida alguns dias antes de tirar férias. A minha médica disse que estava tudo bem, que eu poderia viajar sossegada e começar o pré-natal na volta. Mas sofri um sangramento durante a viagem, o que resultou na perda do bebê”, recorda. A obstetra dela sugeriu que ela aguardasse uns meses para tentar novamente, a fim de que investigassem a causa do problema. “Mas quando retornei ao consultório dela, um mês depois, já estava grávida de novo”, conta a mãe de Murilo, 4 anos, e Maria Luíza, 1 ano e meio. Apesar da gestação do menino ter corrido bem, Renata viveu o mesmo pesadelo dois anos depois. Quando decidiu ter mais um filho, sofreu novamente um aborto espontâneo no início da segunda gravidez, porque o embrião se fixou em uma das trompas. “Tive de fazer uma cirurgia para removê-la e voltei à vida normal. No entanto, seis meses depois engravidei, dessa vez sem planejar!”, comemora.
Atualmente, os médicos costumam recomendar um período de espera apenas em caso de complicações, sendo o tempo correto definido pelo médico. Mas nem sempre foi assim. Até alguns anos atrás, a indicação era que fossem aguardados três ou até seis meses antes de retomar as tentativas, o que aumentava a angústia das mulheres tentantes. “Costumo sugerir que os casais não tenham tanta pressa porque é bom ‘metabolizar’ primeiro a perda”, acredita o especialista.
Recuperação emocional
De fato, independentemente do período que o casal leva para tentar outra vez, encarar o assunto pode ser doloroso por anos a fio. Mesmo sendo mãe de duas crianças saudáveis e felizes, Renata diz que ainda dói muito lembrar das perdas. “Só aceitei mesmo falar ao It Mãe para que outras mulheres mantenham a esperança”, afirma. Algumas celebridades também ousaram quebrar esse tabu publicamente. Mark Zuckerberg, por exemplo, ao anunciar em julho do ano passado que se tornaria pai, revelou que sua esposa, Priscilla Chan, havia sofrido três abortamentos no espaço de dois anos. “Você se sente tão esperançoso quando descobre que vai ter um filho. Começa a imaginar como ele será e a sonhar com o seu futuro. Você começa a fazer planos, e então eles se vão. É uma experiência solitária”, contou Zuckerberg. Antes dele, a cantora Lily Allen emocionou os fãs ao contar sobre a terrível experiência de sofrer uma perda gestacional tardia, já no sexto mês de gravidez: embora o episódio tenha ocorrido em 2010, ela só o comentou publicamente quatro anos depois. A essa lista somam-se ainda as atrizes Brooke Shields, Gwyneth Paltrow, Nicole Kidman, entre outras.
De acordo com Elito Junior, da Unifesp, o casal vivencia um luto importante. “Mas como 70% dos abortamentos acontece antes das 12 primeiras semanas, quando a notícia ainda não foi divulgada pelo casal, a maior parte das pessoas nem fica sabendo”, afirma. Ele explica, ainda, que aproximadamente 60% dos abortos precoces (antes da 12a semana), se dá por alterações cromossômicas do feto, que levam a más-formações e ao término da gravidez. “É um fato que até consola os pacientes, saber que pode ter sido melhor a gravidez não ter ido para frente, por causa do sofrimento que aquela criança poderia vir a ter”, conta Julio. Quanto mais precoce o abortamento, maior a probabilidade de ter sido causado por uma má formação. Os outros fatores que levam a perdas gestacionais, de menor incidência, são infecções – como toxoplasmose, sífilis e muitas outras –, doenças crônicas da mãe (diabetes e hipotiroidismo, por exemplo), características autoimunes maternas, uso de drogas e ainda fatores ambientais, como forte poluição. “Muitas vezes não descobrimos a causa, mas logo o casal engravida de novo e dá tudo certo”, diz o médico.
Bem, nem sempre tudo se resolve assim tão fácil. Um número menor de mulheres sofrem abortos de repetição, ou seja, têm três ou mais abortos, o que pede uma investigação aprofundada das causas e gera muito sofrimento. A jornalista inglesa Lisa Francesca Nand, que passou por isso cinco vezes, conta que, nesses casos, fica ainda mais difícil tocar no assunto porque as pessoas começam a considerar um estigma. Mas Lisa resolveu desafiar essa realidade e usar a sua experiência para mostrar que tudo bem falar sobre a dor de perder um bebê. Ela gravou em vídeo a sua experiência e transformou no documentário “First Heartbeat” (Primeiro batimento cardíaco, em tradução livre), que foi lançado no Reino Unido. No trailer, uma cena resume toda a angústia: Lisa está com um teste de gravidez nas mãos, que mostra um positivo bem fraquinho, e, com lágrimas nos olhos, diz: “A questão em ter um positivo como esse em mãos é que me faz pensar que tudo pode dar errado de novo”.
As causas que levam a abortos de repetição podem ser imunológicas, hormonais ou mesmo de formação do útero. Existe ainda a possibilidade de um dos dois no casal ter alguma alteração cromossômica, chamada translocação equilibrada, que, mesmo sem apresentar sintomas, gera a perda gestacional em 50% dos casos. “Abortos de repetição precisam ser investigados, e eles não representam necessariamente uma impossibilidade do casal de ter filhos. Se houver uma deficiência de progesterona, podemos suplementar. Em caso de doenças autoimunes às vezes podemos medicar. Quando há insuficiência cervical (o famoso colo fino), faz-se o ponto de cerclagem. Em muitos casos, podemos ajudar o casal a engravidar”, acredita Julio. Lisa faz parte dos casos de sucesso. Depois de sofrer o quarto aborto, engravidou de Sebastian, que hoje tem 4 anos. Infelizmente, abortou mais uma vez. Mas em 2014 teve Elliot, e hoje considera a sua família completa.