Gravidez em tempos de zika vírus: adiar ou não?
(Foto: CrayonStock)
“Eu confesso: essa doença, a zika, atrapalhou – e muito – meus planos (de ter mais um filho). Estou totalmente temerosa”, disse a cantora Ivete Sangalo em entrevista à revista Quem. Ela tirou as palavras da boca de muitas mulheres que, planejando engravidar, foram surpreendidas pelo assustador surto de microcefalia provavelmente causado pelo zika vírus, que só vem crescendo desde o primeiro alerta no fim do ano passado. De acordo com uma pesquisa recente do Ipsos, para a maioria dos brasileiros, é recomendável adiar a gravidez por conta da epidemia de zika – 68% dos entrevistados concordam com essa afirmação. Essa questão gerou mais divergência entre homens e mulheres: 75% das entrevistadas concordaram com o adiamento da gravidez, contra apenas 59% dos entrevistados. O estudo foi realizado com 1.200 homens e mulheres acima de 16 anos em 72 cidades das cinco regiões do país. As consequências da microcefalia, de fato, são gravíssimas e permanentes, há ainda muitas dúvidas a respeito dos danos e do contágio do vírus e pouca perspectiva de uma solução para a epidemia a curto prazo. Portanto, surge uma pergunta que não quer calar: é o caso de adiar a gravidez?
A polêmica questão ganhou os noticiários a primeira vez em novembro do ano passado, quando o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Claúdio Maierovitch, aconselhou que as mulheres das regiões mais afetadas adiassem a gravidez por um período – e recebeu diversas críticas. Oficialmente, o Ministério da Saúde não tem uma recomendação no que diz respeito a adiar ou não a gestação. “O que fazemos é oferecer todas as informações com clareza e transparência para que as famílias possam tomar suas decisões”, explicou à assessoria de imprensa do órgão ao It Mãe.
Para o infectologista Celso Granato, do Fleury Medicina e Saúde, de São Paulo, a idade é uma das questões a ser considerada, por isso a decisão de engravidar ou não, com todos os riscos, cabe aos pais e depende de cada situação. “Essa é uma decisão muito pessoal. Se você tem 30 anos, ainda tem tempo e bastante chance de engravidar, então, talvez seja o caso de esperar. Agora, caso tenha 39, 40 anos, a fertilidade já não é tão garantida”, pondera. A obstetra Adriana Melo, de Campina Grande (PB), primeira médica a constatar a presença do vírus no líquido amniótico das gestantes de bebês com microcefalia, concorda. Ao lidar com gestantes e recém-nascidos passando por dificuldades por conta da microcefalia no dia-a-dia, a especialista reforça a gravidade da situação. “Talvez esse nem seja o pior momento para engravidar. É possível que as coisas piorem daqui para frente”, acredita.
Os fatores na balança
Ok, então talvez o “X” da questão (ou da sua decisão) esteja em “esperar quanto tempo?”. “Uma vacina pode surgir em aproximadamente dois anos. Embora seja complicado estabelecer um prazo, porque se certificar de que a medicação é segura pode demorar”, acredita Celso. Veja, há quantos anos lidamos com a dengue? Pois é, mas ainda não há vacina aprovada no mercado para combatê-la.
Com a prevenção efetiva ainda distante, as dúvidas continuam. Adriana alerta que “é cedo para garantirmos qualquer coisa. Não sabemos nem se o vírus confere imunidade, ou seja, se as mulheres vão ter zika só uma vez. Vale lembrar que esse vírus é da mesma família do da dengue, que já tem quatro sorotipos”, explica a obstetra. Além da questão da imunidade, não se tem certeza de como o vírus de comporta no organismo humano, da proporção de casos de danos neurológicos em fetos dentre as gestantes infectadas, e mesmo se há algum período em que o contágio é mais danoso. É preciso ainda comprovar quais são as formas de contágio, porque já foi levantada a hipótese de que o vírus não seja transmitido apenas pelo mosquito, mas também por saliva e fluidos sexuais.
O que já se sabe, segundo o infectologista, é que o surto de microcefalia tem ligação direta com o zika vírus, apesar das notícias que rodaram a internet recentemente afirmando o contrário, de que os reais causadores seriam na verdade larvicidas ou vacinas. “Ainda não podemos afirmar isso academicamente, pois são necessárias mais pesquisas sobre os mecanismos do vírus. Os indícios, entretanto, não deixam dúvidas”, conclui Celso. A obstetra Adriana completa: “É claro que precisamos de respaldo cientifico, o que só ocorrerá quando tivermos resultados de estudos de corte ou caso-controle (dois estudos de caso-controle estão sendo conduzidos, no Pernambuco e na Paraíba). Por enquanto, a única orientação segura é que devemos evitar e combater o vetor, o mosquito”.
Antes tarde do que mais tarde
Em meio a tantas más notícias e perguntas não respondidas, você deve estar se perguntando “como é possível tomar uma decisão com tão poucos fatos?”. A pedagoga Ellen Caroline Alvez, 32, optou por adiar a gravidez que planejava há um ano “por via das dúvidas”. Ela, que já tem um filho de 6 anos e é casada há 12, foi aconselhada em novembro a esperar por mais informações sobre a doença que começava a se alastrar. E continua firme com a decisão: “Quando engravidei do meu filho, estava rolando o surto de H1N1 e eu mal pude sair de casa. Foi uma paranóia. Agora quero uma gravidez tranquila”. Ellen acredita que agiria diferente se fosse mais velha, no entanto.
A idade foi justamente um dos fatores que levou a neonatologista Paula Woo Guglielmetti, 35 anos e mãe de um bebê de 1 ano, a optar por engravidar apesar do zika vírus. E ela se diz confiante com a decisão. “Acho que postergar uma gestação para reduzir os riscos de má-formação associada ao zika vírus é uma faca de dois gumes. Tenho mais medo de cromossomopatias, que são mais frequentes do que as más formações causadas pelo zika e que ficam ainda mais prováveis quando a gestante é mais velha”, diz. A incidência de Síndrome de Down, de fato, é de um a cada 1.250 quando a mãe tem por volta dos 25 anos de idade, número que sobe para um a cada 385 aos 35 anos e um a cada 106 aos 40 anos – índices mais altos do que os riscos do zika vírus, pelo menos até agora. Na 12ª semana de gravidez, Paula toma todas as precauções, como usar roupas de mangas compridas, passar repelente e até cancelou uma viagem que poderia lhe expor a risco maior (leia mais no quadro abaixo). “Espero ter tomado a decisão certa”, diz a gestante, por fim. Nós também!
Se você decidiu engravidar…
… fique por dentro dos cuidados recomendados pelo Ministério da Saúde para as grávidas:
– reforçar medidas de prevenção ao mosquito Aedes aegypti, como uso de repelentes indicados para gestantes, telas nas janelas e repelentes de tomadas;
– usar roupas compridas, que cubram tanto os braços quanto as pernas;
– evitar o acúmulo de água parada (em plantas, baldes, caixas d’água etc.) em casa e no trabalho, que são foco de procriação do mosquito;
– uso de preservativo nas relações sexuais, caso o parceiro tenha sido diagnosticado com zika ou tenha viajado para regiões endêmicas.
Vale lembrar que as recomendações valem para todas as fases da gravidez, do primeiro ao último trimestre. E, mulheres com zika podem continuar amamentando, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.