Depois da depressão, Izabela Guimarães reviu suas prioridades
Mãe de dois, Mariana, 6 anos, e Nicolas, 1 ano e meio, Izabela superou o momento mais difícil da sua vida e usou sua dor como inspiração para criar um evento para ajudar outras mulheres a compartilharem as suas próprias histórias de superação (foto: Mari Hart Photo)
O que você chama de “história de superação” talvez não englobe tudo o que Izabela Guimarães passou. Mãe de Mariana e Nicolas, casada, dona de uma marca de acessórios em Miami, onde mora e precursora do evento Real Women Real Stories Talk, Izabela vivia na correria entre maternidade e carreira, sempre aceitando novos desafios na brilhante trajetória profissional, fazendo acontecer, tentando não deixar nenhum prato cair até que seu corpo e sua mente pediram uma trégua. Aqui no It Mãe, abre sua história para alertar sobre a depressão, doença que atinge (e mata) cada vez mais pessoas – especialmente mulheres – e que ainda é um tabu.
Izabela começou a carreira cedo no Brasil e chegou onde muitas pessoas sonham em chegar. Aos 19 anos, ainda na faculdade, se tornou diretora de atendimento de uma das maiores agências de publicidade de Belo Horizonte. Com grandes contas no catálogo e muita responsabilidade nas costas, ali ela começou a demonstrar que não tinha problemas em ir além para fazer um bom trabalho.
Apenas um ano depois, decidiu mudar para São Paulo, levando os sonhos no bolso e uma meta: buscar conforto profissional. Se a posição como publicitária parece atraente para muitos, para ela foi um sinal de alerta: depois de um susto com uma crise renal, ela percebeu que precisaria diminuir o ritmo. Foi aí que começou a relação de dez anos com o Senac, onde alcançou um novo marco na carreira: aos 26 anos, se viu como diretora de um centro acadêmico, abaixo apenas do superintendente.
A única mulher entre os homens, ela diz nunca ter sentido qualquer tipo de preconceito, mas tinha consciência da sua representatividade naquele meio. Tudo isso já pode parecer uma história de vida e tanto para qualquer uma de nós, mas, até então, Izabela não tinha filhos e ainda podia manter uma rotina totalmente centrada no trabalho. Ela, que casou com 25 anos, explica que começou a perceber um desalinho entre o trabalho e vida pessoal quando teve a filha mais velha, Mariana. Primeiro, passar o período de licença maternidade com um neném tranquilo, que não exigia muito, foi um baque para a sua personalidade workaholic. Segundo, que a partir daquele momento ela não poderia mais se jogar de cabeça no trabalho – afinal, tinha uma filha pequena que precisava dela tanto quanto a profissão.
“Quando a Mariana tinha dois meses, meu marido sofreu uma tentativa de assalto na frente do nosso prédio. A gente estava em casa e ele estava chegando. Ele teve que fugir, foi uma situação super delicada”, conta. O caso virou precursor de uma nova mudança, dessa vez para outro país, também em busca de mais conforto e segurança.
Depois da mudança de país, Izabela abriu a sua própria marca de acessórios, a Brillé Collection (foto: arquivo pessoal)
Decisão tomada, a família foi inteira para Miami, nos Estados Unidos, onde a veia empreendedora de Izabela mostra sua força, e ela abre a sua própria marca de acessórios, a Brillé Collection. Um ano e meio depois do “nascimento” da label, mais uma surpresa: engravidou do segundo filho, Nicolas. “A partir daí começou o meu erro”, diz ela. Segundo ela, o erro diz respeito à forma como lidou com a gestação e os meses que se seguiram, que resultaram em um diagnóstico de depressão.
O estresse é um agravante em qualquer situação – e não deixa de ser diferente durante uma gravidez. Em vez de desacelerar e evitar os excessos que viveu no passado, trabalhando madrugadas em uma agência ou esperando até o último minuto para tirar a licença maternidade, Izabela decidiu continuar a rotina de lançamento da sua marca, planejando um evento inteiro enquanto estava com 36 semanas de gravidez.
O evento foi um sucesso, mas teve seus efeitos: um dia e meio depois da festa, a bolsa estourou e Nicolas veio ao mundo, não sem antes passar 11 dias na UTI por conta da prematuridade – o que já tinha acontecido com a primogênita da empresária.
A depressão e o pedido de ajuda
Sem se preparar para receber um novo bebê, cuidando de uma marca de acessórios e ajudando o marido e o irmão com projetos profissionais, Izabela entrou em uma espiral de trabalho e estresse que culminou com o furacão Irma, que atingiu a Flórida em 2017. Na fuga em busca de abrigo, ela e o marido colocaram as crianças no carro e foram em direção à Carolina do Norte. No meio do caminho, o leite de Izabela secou, e ela não tinha levado fórmulas para dar ao bebê.
Nicolas, por sorte, topou a fórmula que ela comprou quando chegou no outro estado, e tudo parecia ter voltado ao controle. O furacão passou, a família voltou para casa, e Izabela concordou em fazer outro evento com a sua marca logo em seguida. Foi aí que ela percebeu que algo não ia bem. “Eu não tinha mais o mesmo raciocínio, não tinha mais a mesma naturalidade para fazer as coisas e eu tinha um incômodo dentro de mim que não sabia o que era. Não sabia se era estresse, se era tristeza, se era cansaço, eu não sabia mais identificar os meus sentimentos”, disse.
Nem mesmo as férias com os filhos e o marido na Disney parecia animá-la. Ali, ela percebeu a gravidade do seu estado emocional, sem saber lidar com as multidões e o choro do filho pequeno e começou a pedir a Deus por orientação. Enquanto a resposta parecia não vir, ela precisou lidar com outra questão séria: uma amiga próxima entrou em trabalho de parto e teve complicações no hospital, sendo colocada em coma induzido logo depois de ter o bebê. Dentre idas e vindas à UTI, a amiga faleceu e Izabela acabou responsável por dar a notícia à mãe da amiga que estava no Brasil. Foi a gota d’água. “Eu caí de cama. Com toda essa história, eu já não conseguia processar nada, eu comecei a ficar sem apetite, a emagrecer…”.
Sem saber o que fazer, com nenhuma vontade de levantar a cama ou fazer qualquer atividade, ela entendeu que precisaria de ajuda. Pegou o carro e foi até a mãe, que ligou para um médico de confiança.
“Aí que eu fui entender que eu tive uma depressão pós-parto, porém leve, que foi complicando por causa do furacão. Eu comecei a fazer esse acompanhamento. Você tem tomar remédio pra você começar a colocar gasolina no carro e começar a se situar de novo, e voltar. Porque a vontade mesmo é de morrer, eu tinha medo de sobreviver, eu tinha medo de ir ao supermercado, medo de tudo”.
A fé e a volta por cima
Diante de tudo isso, Izabela, que sempre foi muito religiosa, decidiu parar de visitar a Igreja que frequentava. Eis que, um dia, ela recebeu uma ligação da pastora, dizendo que queria que ela fizesse uma palestra sobre felicidade para um grupo de mulheres do centro.
Ela topou, e aí que veio a grande compreensão: buscando histórias de mulheres fortes na Bíblia, ela entendeu que os momentos de dor e sofrimento podem ser precursores de grandes mudanças. A palestra para 130 mulheres teve um resultado que ela não esperava. Muitas pessoas começaram a compartilhar as com ela suas histórias com a depressão. Como lidar com tudo isso? A ideia da empresária foi criar um evento inteiro, o Real Women Real Stories Talk, em Miami: “Foi feito em um mês e meio, 43 mulheres apoiaram. A gente conseguiu arrecadar exatamente o suficiente para o evento todo, e eu escolhi as palestrantes a dedo para trazer experiências, para mostrar que é na dor que a gente pode se superar”.
O evento Real Women Real Stories Talk teve sua primeira edição em setembro de 2018 (foto: divulgação)
Desde então, Izabela tem sido vigilante consigo mesma. Ao mesmo tempo que encontrou uma motivação e tanto para continuar trabalhando, com um evento que foi sucesso na primeira edição, ela passou a se conhecer melhor e a entender que precisa dizer mais nãos e prestar mais atenção aos seus limites paa não passar por mais uma crise depressiva. Por isso, o momento agora é de reorganizar a vida e as ideias, e o plano dela para 2019 é se “doutrinar em um novo modo de viver”. O que isso significa? Não abrir o computador em casa, ter dias específicos na semana para trabalhar, hora para acordar e dormir, uma rotina de exercícios físicos e, claro, mais tempo com os seus pequenos. “Quando eu saio pra pegar os meninos, eu tenho que estar 100% com eles”, explica.
O mais importante, porém, foi o que aprendeu com o processo. Entendeu que existe uma mensagem que ela pode, sim, dar um passo para trás e repensar os seus projetos: “Eu sempre achei que ter muito projeto é o que me fazia andar. Equilibrar isso é você ter que iniciar um novo ano entendendo que o profissional não pode ser tão mais importante do que a família. Tento o tempo todo me policiar e assumir esse compromisso que eu fiz”.
Edição Marcela de Mingo