Mayra Calvette, parteira de Gisele, defende a volta ao parto natural

Mayra Calvette nasceu em sua própria casa, no interior de Santa Catarina, assistida pelo pai, que é médico, e cercada pelas avós. Naquela época, o movimento pela humanização do parto estava apenas começando no Brasil e alguns livros sobre o tema haviam sido publicados. Obras que a mãe, também enfermeira, leu e emprestou à filha mais tarde. Os relatos de parto da mãe, que teve cinco filhos naturalmente, a deixavam curiosa. Por isso, desde criança, ela sabia o que queria fazer da vida: “tirar neném”. Com o incentivo da família, entrou para a faculdade de enfermagem aos 17 anos, onde se aproximou da obstetrícia na primeira oportunidade. E ainda se recorda do primeiro parto que fez. “Era estagiária em uma maternidade convencional. Levei a gestante para o banheiro para tomar uma ducha quente, com o intuito de aliviar a dor, e o bebê nasceu ali mesmo. Foi lindo”, descreve a enfermeira obstetra e neonatal, que aos 27 anos, já fez mais de quinhentos partos, entre eles os de Gisele Bündchen. Entre 2011 e 2012, por nove meses, ela e o marido Enrico Ferrari viajaram por 25 países para mostrar diferentes tipos de parto nos cinco continentes, trabalho que resultou na série Parto Pelo Mundo, exibida em 2013 pelo GNT). Fomos conversar com ela para saber por que defende o parto natural como a melhor forma de nascer.
It Mãe: O que o projeto Parto pelo Mundo trouxe de bom para a sua vida? Pretende continuá-lo?
M.C.: Crescimento em todos os níveis. Vivenciar o parto pelo mundo e ter a oportunidade de compartilhar um pedacinho dessa viagem foi muito gratificante. E me trouxe uma visão sobre o parto em realidades bem diferentes. Constatamos que o modelo vigente no Brasil não é o mais seguro para mães e bebês. A cesárea, de fato, pode salvar vidas quando realmente necessária. Mas dados da Organização Mundial da Saúde mostram que não há justificativa para que o índice seja maior que 15%. Pois tecnologia pode ser perigosa se usada da forma errada ou excessiva, oferecendo mais riscos que benefícios. Voltei com a certeza de que o futuro que nos aguarda é muito promissor. Quase todos países desenvolvidos possuem uma filosofia respeitosa de parto para mãe e bebê, com um sistema que centraliza os cuidados na parteira contemporânea (no Brasil, obstetriz ou enfermeira obstetra) e percebe a gestação e o parto como processos naturais da vida da mulher. Daqui pra frente, sempre que viajar, vou pesquisar sobre o parto naquele país, como fiz recentemente quando estive no Peru.

It Mãe: Que conselhos e/ou dicas você dá para uma grávida que queira fazer um parto normal?
M.C.: O primeiro diz respeito à dieta. Coma bem, garantindo nutrientes mais naturais possíveis, como grãos integrais, alimentos orgânicos, frutas e verduras da estação. Não significa comer alimentos diet ou light, mas nutritivos. Sei que isso parece cliché, mas há pesquisas que mostram que uma dieta de qualidade, além de favorecer o crescimento do bebê, diminui as lacerações do períneo materno durante o parto e ajuda na cicatrização no pós-parto. Exercício durante a gravidez também é fundamental, ajudando o corpo a adaptar-se ao crescimento do bebê e da barriga, a manter uma gravidez saudável e aumentando, assim, o bem estar da mãe e do bebê! Outro conselho é pensar positivamente! Rir e aproveitar cada minuto da gestação, conversando com o bebê quando se sentir estressada para ele entender os motivos da tristeza. Também é fundamental se informar sobre os direitos que temos como mulher no parto, na internet e em grupos e comunidades que apoiam a humanização do nascimento. A escolha do local do parto e se possível do profissional que vai atendê-la faz diferença. Peça indicações ou leia relatos de quem já foi atendida pela pessoa que você escolher.
It Mãe: O Brasil é o país com maior número de cesáreas (52% dos partos, segundo o Unicef) do mundo. Qual a razão na sua opinião?
Mayra Calvette: Há muitos motivos para sermos o campeão de cesarianas: o contexto histórico, o medo do parto normal, a desinformação das mulheres e profissionais, o lado financeiro, a maior praticidade para médicos e mulheres, a falsa idéia de que a cesariana é mais segura, a formação profissional, o cuidado ser baseado no médico obstetra ao invés de ser na enfermeira obstetra ou obstetriz.
O nascimento passou por profundas transformações, principalmente no último século. Deixou de ser feito em casa, sendo transferido aos hospitais. Os índices de mortalidade maternal e neonatal diminuíram, mas no hospital, elas tinham seus bebês deitadas, com as pernas para cima, sem participar do processo. Além disso, estavam sozinhas e sofriam intervenções muitas vezes traumáticas, tanto para mãe quanto para o bebê. Só o fato de a mulher estar deitada, que é regra na maioria das instituições, é uma intervenção que faz com que o diâmetro da pelve diminua, assim como a oxigenação para mãe e bebê por causa da compressão da veia cava materna. Isso sem falar que aumenta muito o desconforto. As mulheres, pouco a pouco, foram esquecendo seu poder de parir. Pois o parto pode ser uma das experiências mais profundas e transformadoras da vida de uma mulher, mas também pode ser a mais traumática, dependendo da sua preparação, do ambiente, do cuidado que ela recebeu. Esse trauma foi, então, transmitido para as gerações seguintes, o que originou uma cultura de medo em torno do nascimento. Além disso, as parteiras foram se extinguindo, ao passo que cresceu o retorno financeiro das cesáreas para o médico. Em vez de o parto ser visto como um processo natural na vida das mulheres, um rito de passagem para a maternidade, passou a ser um procedimento médico de alta complexidade. Como se elas não são fossem capazes de dar a luz sem a ajuda da moderna tecnologia.
A pesquisa Nascer no Brasil realizada recentemente entrevistando 23.894 mil mulheres atendidas em maternidades públicas, privadas ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados foram coletados entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012 em 266 hospitais de 191 municípios.
A cesariana foi realizada em 52% dos nascimentos. Nos hospitais privados, 88% dos bebês nasceram dessa forma.
Quase 70% das entrevistadas desejava ter um parto vaginal no início da gravidez, mas poucas foram apoiadas nessa decisão no decorrer da gestação. Entre as mulheres que escolheram a cesariana desde o início, a principal razão apontada no estudo foi o medo da dor. A pesquisa mostrou também que o agendamento das cirurgias antes do trabalho de parto, tão comum nos hospitais privados, leva a outro problema: a elevada proporção de bebês no limite da prematuridade.
It Mãe: Quais os principais mitos que envolvem o parto natural, que muitas vezes fazem com que as mulheres optem por um parto cirúrgico sem necessidade?
M. C.: Acredito que o maior mito seja em relação à dor. A grande maioria das mulheres teme não aguentá-la. Mas quando são respeitadas e recebem apoio, elas mergulham no processo do parto com mais confiança. No momento do parto, a mulher libera uma orquestra hormonal desencadeando as contrações, bem estar, relaxamento, o equilíbrio necessários. Ao sofrer intervenções ou passar por situações de stress, a liberação desse coquetel hormonal pode ser bloqueada, fazendo com que o parto seja mais doloroso e frustrante. Outro mito comum é o cordão enrolado no pescoço do bebê (chamado de circular de cordão). Um bebê passa nove meses envolvido pelo líquido amniótico, mexendo-se bastante. Então, as circulares são mais comuns do que se pensa. Mas não há perigo de o bebê se sufocar: o cordão umbilical é flexível e cede de acordo com os movimentos. A falta de dilatação, assim como a gestação durar mais de 40 semanas, também geram dúvidas. Cada bebê nascê no seu ponto de maturidade, como cada fruto de uma mesma árvore amadurece no seu tempo. Mas o bebê nasce quando está pronto! Após 40 semanas, se estiver tudo bem com ambos, a gestante deve receber acompanhamento mais frequente e pode esperar. Já em relação à dilatação, algumas mulheres têm partos rápidos, enquanto para outras pode levar dias – tempo que precisa ser respeitado. Por último, o bebê ser grande demais ou a mãe ter a bacia estreita também são fatores bastante difundidos como indicação de cesárea. Isso é raro e só pode ser diagnosticado quando a dilatação estiver completa. E a ideia de que uma mulher que fez cesárea terá que fazer outras foi derrubada. Por isso, a futura mãe deve se informar e buscar grupos de apoio durante a gestação. A preparação para o momento do parto não é apenas física, mas também emocional e psicológica, pois a mulher deve estar confiante e ao mesmo tempo entregue para abrir-se e transformar-se.