Já escutou seu filho hoje?
A culpa pelo pouco tempo que julgamos passar com nossos filhos frequentemente nos persegue. Mas podemos criar a qualidade da nossa relação. E dá para fazer isso “apenas” deixando espaço para escutá-los de verdade (foto: 123TRF)
“Sabe, mãe, às vezes eu não sei qual é o sentido da vida…”
Foi assim, de maneira nada sutil, que meu filho de 7 anos colocou esta questão existencial. E a minha cabeça, que segundos antes estava arquitetando a logística do longo dia que eu tinha pela frente, parou. Sim, me senti arrebatada por uma pergunta nada peculiar, que fez com que meu pensamento freasse bruscamente.
Eu, que estava andando em direção ao carro depois de buscá-lo no judô, fique literalmente paralisada. Depois de me reconectar com minha capacidade de pensar, olhei para ele e perguntei: “Filho, de onde veio esta pergunta?”. Ele prontamente respondeu: “Claro que da minha cabeça, né, mãe? É que às vezes, eu fico pensando: eu fico bravo, depois com fome, às vezes canso… E ainda tem as emoções, né, mãe?”. Neste momento, eu fiquei sem fala! E de novo demorei alguns segundos para reorganizar meu pensamento. Foi então que, um tanto surpresa, me perguntei: “Quem é e de onde vem este filósofo-mirim?”. Respirei fundo para retomar o fôlego, agachei até a altura dele, olhei firme nos seus olhos e disse: “Puxa, filho, concordo com você. Às vezes é mesmo complicado entender o sentido da vida e lidar com as emoções”. E ele respondeu: “Pois é… Podemos comprar um pão de queijo?”. Ele ia almoçar dentro de 1 hora, mas e daí? Eu achei sensato flexibilizar as regras e celebrar a profundidade do momento comendo um belo pão de queijo! Quando eu permiti o pão de queijo, meu pequeno filósofo saiu correndo feliz em direção à lanchonete do clube, voltando a ser o moleque que eu já conhecia.
Enquanto ele comia o pão de queijo e eu tomava um café duplo para me recuperar do “choque”, a conversa filosófica deu lugar aos filmes do Indiana Jones, sua mais nova descoberta no Netflix. Depois disso, o dia continuou, a semana seguiu, mas em muitos momentos, eu me peguei relembrando e pensando sobre este acontecimento. Depois de digeri-lo um pouco, acabei percebendo quanto ele foi significativo para mim, tanto como mãe, quanto como psicóloga, pois me permitiu refletir sobre algumas questões muito importantes.
A culpa pelo pouco tempo que julgamos passar com nossos filhos frequentemente nos persegue. Mas podemos criar a qualidade da nossa relação. E dá para fazer isso “apenas” deixando espaço para escutá-los de verdade, no meio da correria e das preocupações. Eu penso que a qualidade do nosso tempo com as crianças tem mais a ver com a nossa disponibilidade para estarmos inteiros na relação com elas. Veja bem, isso não depende da quantidade de tempo que passamos juntos, mas sim, da nossa disponibilidade emocional para nossos filhos. Não tenho dúvidas: o amor e a confiança que brotam dessa relação estão intimamente ligados à nossa capacidade de olhá-los e enxergá-los de verdade. No consultório, eu vejo que é recorrente a preocupação dos pais em se conectar com os filhos e eles me perguntam como se faz isto. É claro que a resposta não é simples. Mas eu costumo ajudá-los a construir as próprias diretrizes a partir de dois aspectos que considero essenciais:
- É preciso manter a hierarquia da relação.
Não me entendam mal, mas a gente precisa deixar claro que nós somos os adultos. Podemos ser amigos também. Mas é nossa função dar o limite que protege. Em algumas situações, isso vai exigir uma atitude mais dura, mais firme e é provável que você desagrade e frustre seu filho. Aliás, é certo que isto irá acontecer. E é assim que nós iremos prepará-los para voar. Porque para permitir que eles voem, é preciso construir a referência do limite. Apesar de poder sonhar e conquistar muito, ninguém pode tudo.
- É preciso se importar de verdade com o universo de interesses deles.
Seja presente nas pequenas coisas. Pare o que está fazendo para olhar o desenho que ele tanto quer te mostrar. Dê ouvidos às“bobagens” que ele fala. Deixe-se surpreender pela pessoa que ele está se tornando. E pare de desejar que ele não cresça tão rápido. Esta é uma luta perdida. O passar dos anos leva nossos “bebês”, mas nos presenteia com os indivíduos únicos que eles vão se tornando. Sim, eles nos desafiam diariamente, mas são seres humanos incríveis, com quem a gente tem o privilégio de se relacionar, aprender, se questionar.
O desafio é grande, mas eu sigo por aqui, com a pergunta do meu filho, tentando encontrar meu sentido existencial e aprendendo a lidar com as emoções (as minhas e as dele!).
Um beijo e até a próxima!
Carol Signorelli